Carregando...

Acompanhe as últimas notícias sobre contabilidade nas principais áreas.

Indicadores de confiança ou de ilusão?

Indicadores de confiança ou de ilusão?

Análise retrospectiva dos índices de confiança do consumidor, do comércio e do setor de serviços revela descolamento entre avaliação da situação atual e expectativas a partir de 2016

Segundo dados do Relatório Focus do Banco Central, no início deste ano a mediana das expectativas dos economistas apontava para um crescimento do PIB na casa dos 2,5% em 2019.

Atualmente, a projeção do mercado é que a economia cresça menos da metade disso, sendo que muitos profissionais já falam em uma alta inferior a 1%.

Entre os fatores por trás da frustração das expectativas, analistas têm apontado a crença de que o otimismo logo após as eleições se converteria em mais consumo e investimentos.

Ou seja, esperava-se que a maior confiança de consumidores e empresas aumentasse o consumo e os investimentos, estimulando a geração de empregos.

Não foi, porém, o que aconteceu.

O número de desempregados segue em torno dos 13 milhões. As vendas do varejo, em desaceleração desde 2018, perderam ainda mais força neste ano.

A produção industrial voltou para o terreno negativo em março quando é considerada a variação acumulada em 12 meses. O PIB do 1º trimestre, por fim, recuou 0,2% na comparação com o último trimestre de 2018.

Com a retração da atividade – somada à frustração da aposta de que o novo governo teria condições de liderar e aprovar rapidamente uma ambiciosa agenda de reformas estruturais –, voltou a cair, também, a confiança.

Os indicadores de confiança, de maneira geral, são compostos por dois índices; um que mede a avaliação da situação atual e outro relacionados às expectativas.

Apesar da queda recente, um padrão vem se mantendo nos indicadores de confiança do consumidor, do comércio e do setor de serviços desde abril de 2016, quando a Câmara dos Deputados aprovou a autorização para o prosseguimento, no Senado, do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Desde então, nota-se um significativo descolamento entre a avaliação da situação atual e as expectativas, conforme é possível observar nos gráficos abaixo.

Do início da série história até abril de 2016, a diferença média entre o índice de expectativas e o indicador de situação atual foi de 3,8 pontos para os consumidores, 1,2 ponto para os empresários do comércio e -0,2 no caso dos empresários do setor de serviços.

De maio de 2016 a maio de 2019, porém, a média subiu para 21,4 pontos no caso dos consumidores, 12,8 pontos para os empresários do comércio e 10,6 pontos no setor de serviços.

Ou seja, se as políticas econômicas e as mudanças de governo a partir de 2016 ainda não foram suficientes para melhorar substancialmente a situação atual de consumidores e empresários, elas ao menos conseguiram criar expectativas positivas.

As expectativas positivas, contudo, não têm se mostrado condições suficientes para garantir a recuperação da economia.

Em famoso artigo de abril de 2012, o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman chamou de “conto de fadas” a narrativa de que políticas de austeridade fiscal e monetária, inspiradoras de confiança, fomentariam a recuperação econômica – para Krugman, o efeito seria exatamente o contrário.

Não era à toa que Millôr Fernandes dizia que “o economista é um ficcionista que venceu na vida”...

Naquele mês de abril, porém, de acordo com Krugman, “a fadinha da confiança morreu”, pois economistas dos países desenvolvidos começavam a admitir que as medidas de austeridade adotadas para enfrentar a crise econômica pós-2008 não estavam funcionando.

Será que no Brasil, contudo, ainda acreditamos em um conto de fadas criado pelos economistas?

Independentemente de se concordar ou não com as ideias de Krugman, o fato é que, ao menos entre os empresários da indústria brasileira, não se nota esse descolamento entre a avaliação da situação atual e as expectativas.

A explicação pode estar no processo de desindustrialização em curso no país nas últimas quatro décadas, que talvez tenha tornado o setor mais imune a “ilusões”.A indústria brasileira, que chegou a responder por cerca de 30% do PIB do país nos anos 80, representou apenas 11,3% da atividade econômica em 2018, a menor participação desde 1947 (início da série de dados comparáveis), de acordo com informações divulgadas pelo jornal O Estado de S.Paulo, na edição de 8 de abril deste ano,.

É verdade também que, em pelo menos dois momentos após abril de 2016, notamos uma aproximação entre os índices de situação atual e de expectativas dos consumidores, bem como de empresários dos setores de comércio e serviços: após a greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, até a definição do resultado da eleição presidencial, em outubro; e no período mais recente.

Choques de realidade?

Outra interpretação para o descolamento dos dois indicadores pode estar na gravidade da crise econômica que o país atravessa nos últimos anos.

Diante de uma situação atual tão crítica, parece natural se esperar por um futuro melhor, ainda que somente um pouco melhor, seguindo a lógica do “pior que está não fica”.

Seja como for, se os indicadores de confiança ainda desempenham um papel importante para muitos analistas em seu desafiador ofício de tentar prever o futuro, quando o futuro chega, esses indicadores podem assumir um novo papel, ajudando historiadores, quem sabe, a medirem o tamanho da ilusão que marcou determinadas épocas.

× Como posso lhe ajudar?