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Empresas vendem vale-compras para manter receita na crise do coronavírus

Empresas vendem vale-compras para manter receita na crise do coronavírus

Vouchers são alternativa para receber pagamento antecipado de clientes – mas requerem planejamento e divulgação caprichada

“Estamos fechados por conta da pandemia de COVID 19. Fiquem em casa se possível!”. Esta é mensagem estampada no Instagram do Fenda Bar, inaugurado em São Paulo (SP) há apenas quatro meses. As donas, Janaína Duarte e Aline Vetillo, ainda estavam fazendo os investimentos finais no empreendimento quando a pandemia do novo coronavírus foi decretada e levou ao fechamento do comércio na cidade e no estado de SP.

Desde então, elas vêm tentando engajar amigos e clientes a contribuir em uma espécie de campanha de crowdfunding. Em vez de ser doado, porém, o dinheiro vira crédito para quando o bar for reaberto. A venda dos vouchers e vale-compras foi a alternativa encontrada por elas e outras empreendedoras para garantir que algum dinheiro entre em caixa no período.

A maioria não espera lucrar dessa forma, mas ao menos conseguir pagar os custos fixos, como aluguel e funcionários. E as experiências mostram que o formato se adequa a nichos diferentes, como salões de beleza, lojas de roupas e até uma creche para cachorros.

Experiências exclusivas

Quando fecharam as portas do Fenda Bar, Janaína e Aline cogitaram acelerar um plano que já tinham em mente: reformar a cozinha do espaço para atender também como restaurante. A ideia seria atuar por meio de delivery durante a quarentena, mas o plano acabou descartado por demandar investimento em um período complicado.

Elas já haviam feito uma pesquisa com o público de bares em geral, na qual notaram uma disposição para apoiar os locais nesse período. Escolheram então o caminho dos vouchers. Entre as opções listadas em um site de vaquinha virtual estão desde cupons para consumo, a partir de R$ 50, até a chance de reservar a área externa do bar por uma noite por R$ 1,5 mil ou mais.

Divulgada entre amigos e por redes como o Instagram, a campanha arrecadou R$ 1,5 mil até agora. “Nós temos visto pessoas comprando não pelo consumo, mas por boa vontade”, conta Aline. Ela diz precisar de ao menos R$ 10 mil para segurar as pontas com as portas fechadas.

Para tentar atingir mais público, passou agora a impulsionar algumas publicações. Mas, com o aumento no número de bares recorrendo à estratégia, diz não saber qual será o saldo. Por isso não deixou de lado outras ações, como renegociar o aluguel e pesquisar por linhas de crédito. “Concluímos que todos serão impactados e vão ter que se remodelar”, diz.

Um novo modo de estimular o consumo

A empreendedora Georgia Halal tem uma loja de roupas, que leva seu nome, há 12 anos. Ela já havia passado por outras crises, mas nenhuma havia afetado seu negócio como essa. Com menos pessoas nas ruas e quase sem receber clientes no ponto físico, ela se antecipou à quarentena decretada pela prefeitura de São Paulo em 20 de março. “Sinceramente, eu não imaginava que após todo esse tempo precisaria fechar a loja dessa forma”, conta.

Passou então a concentrar seus esforços no ambiente online para engajar as seguidoras e entender melhor a situação. Georgia havia lançado um e-commerce da marca no final do ano passado, mas ainda não sabia como manter as operações no período. A ideia de vender os vouchers veio de algumas clientes – e foi vista até como um modo de se posicionar.

“Entendemos que esse não é o momento de estimular o consumo e que todo mundo está vivendo essa incerteza. Então, quem puder tem a opção de comprar um voucher para consumir no futuro, com mais calma”, explica a empreendedora. Há pouco mais de uma semana, ela anunciou a venda de três vouchers, de R$ 100, R$ 150 e R$ 200. Eles valem para a compra de peças e para as aulas de costura que costumavam ser oferecidas no espaço.

Como a loja já não tinha o hábito de fazer promoções, os vales inicialmente não tinham desconto em relação ao que poderá ser gasto no futuro. Em 11 dias, foram vendidos cerca de 20 deles, o que equivale a um dia de venda na loja física. “Vimos que era hora de dar algum desconto e decidimos mudar a estratégia”, conta Georgia.

A empreendedora agora planeja se concentrar mais nas vendas pelo e-commerce. Uma de suas preocupações era evitar que suas três funcionárias precisassem se locomover até a loja para cuidar da logística das entregas. Como mora próxima ao local, decidiu trabalhar sozinha no período. Agora pensa em formas de apoiar as oficinas de costura com quem tem parceria.

Com as vendas online e os vouchers, ela espera conseguir manter entre 40% e 50% do faturamento usual – mas admite que será um desafio. “Estamos procurando alternativas e tentando entender como vai ser esse novo momento de consumo.”

A importância da fidelidade dos clientes

Como o próprio nome sugere, o Espacio Secreto, salão de beleza da argentina Milly Olmos, é bem reservado. Não tem vitrine para a rua e atende apenas clientes com horário marcado. Os laços formados com elas se tornaram ainda mais importantes quando a cabeleireira viu que teria que parar os atendimentos pela pandemia.

“Quando tudo começou, eu fiquei em pânico. Comecei a pensar que se tivesse que escolher entre minha casa e o salão, eu iria morar o salão”, diz ela. “Mas duas clientes entraram em contato oferecendo pagamento adiantado para serviços que gostariam de fazer, e eu vi que teria que levantar a cabeça.”

Milly elaborou alguns vouchers e passou a divulgá-los nas redes sociais. Paralelamente, entrou em contato com clientes que sabia que teriam condições de arcar com o gasto antecipadamente. Mais de 40 pessoas aderiram. “Fiquei extremamente surpresa. Acho que essa situação está mostrando muita coisa sobre as pessoas”, diz.

A maioria dos cupons dá desconto de 20% na compra de serviços da mesma espécie – como dois cortes ou três colorações, sem prazo para utilizar. Segundo ela, o formato é importante para evitar que todos os serviços se acumulem em pouco tempo quando o salão reabrir – até porque eles envolvem gastos com produtos e com as assistentes.

“Um cliente demora três meses para voltar entre um serviço e outro, então vai ser mais fácil de ir pagando sem que fique apertado”, diz a empreendedora. “Em vez de parcelar com um banco, fiz isso com meus clientes.”

Milly diz ter hoje uma carteira de 7 mil clientes. Com as divulgações nas redes, conseguiu que 30% dos cupons fossem comprados por clientes novos. Ela espera conseguir manter 50% do faturamento usual se o ritmo se mantiver – mas não sabe por quanto tempo.

Também diz que a organização é fundamental para que o modelo ajude e não piore a situação do negócio. “É algo que exige muita cautela. É arriscado para alguém que não sabe administrar a parte financeira.”

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Adaptação e novas demandas

Fundada em 2016 pela empreendedora Tarsila Aleixo, a creche canina Pração Moema, em São Paulo (SP), recebia em média 50 cães por dia de segunda a sábado. A maioria dos clientes adere a pacotes mensais que variam de R$ 180 a R$ 990 – e muitos tinham acabado de pagar quando a creche precisou fechar as portas em março.

Como mora em uma chácara em Ibiúna (SP), ela ofereceu a eles a opção de transformar as diárias comuns em uma espécie de hospedagem. Quem não tem estrutura para cuidar do cão em quarentena pôde deixá-lo “de férias” com ela, já que a chácara tem 2 mil metros quadrados e um espaço dedicado a receber os animais.

“Hoje estou com 12 cachorros. Alguns vêm buscar o cão para passar o fim de semana em casa”, conta a empreendedora. “Muitos não têm como ficar com eles a semana toda, pois eles ficam ansiosos e começam a morder as coisas.”

Tarsila também recorreu à divulgação e venda dos cupons para complementar a renda. É possível comprar diárias na chácara ou serviços que poderão ser usados depois – como um cupom de R$ 100 por três diárias na creche, quatro banhos em cão pequeno ou dois em cão grande. Individualmente, os serviços custariam entre R$ 40 e R$ 80.

A reação dos clientes foi positiva e imediata. “Vendi 40 cupons no dia em que anunciei. Ao longo do resto da semana, vendi cinco”, conta ela, que também decidiu ajudar aqueles que foram duramente afetados pela crise. “Cerca de 20% dos meus clientes é autônomo. Esses não conseguiram pagar nem o que estavam devendo, então eu os isentei das dívidas e disse que podem ver se conseguem me pagar depois, quando tudo se normalizar.”

Tarsila diz precisar de ao menos R$ 30 mil por mês para cobrir as despesas fixas, incluindo aluguel e funcionários. Após garantir o mês de abril, ela considera que o formato deve continuar ajudando. “Dependendo do quanto durar a quarentena, não sei como vai ser. Mas otimista quanto a não quebrar eu estou.”

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