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De vouchers a vaquinha, de WhatsApp a bazar online, pequenos negócios vão atrás da clientela fiel

De vouchers a vaquinha, de WhatsApp a bazar online, pequenos negócios vão atrás da clientela fiel

Empresas buscam ajuda dos leais compradores para não sucumbir à crise derivada pela pandemia. A cada 10 pequenos empresários, 9 tiveram queda de receita de em média 75%, segundo Sebrae

Há anos trabalhando como pipoqueiro na frente de duas escolas em Brasília, Adilson Campos, de 36 anos, foi pego de surpresa no dia 12 de março, uma quinta-feira, quando saiu com seu carrinho e se deparou com as portas da instituição de ensino fechadas. A decisão tomada pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, para combater a disseminação do coronavírus, fez desaparecer da noite para o dia a única fonte de renda de Adilson, sua mulher e da filha de 1 ano e 10 meses. “Na época ainda tinham poucos casos, pensei que em duas semanas as escolas já iriam reabrir e hoje já não tenho ideia. Até porque, mesmo quando as crianças voltarem, acho que as pessoas vão ficar receosas. Como vão comer pipoca na rua se precisam usar uma máscara?”, questiona o pipoqueiro.

Para sobreviver nestes quase dois meses sem trabalho em meio à pandemia, Adilson contou com uma rede de apoio criada pelos pais dos alunos. “A gente acaba fazendo uma amizade e eles me ligavam querendo ajudar. No início estavam fazendo doações, mas a gente que está acostumado a trabalhar não quer receber de graça, né?”, explica. Foi então que sugeriram que ele começasse a fazer um sistema de créditos para o futuro. “As pessoas me pagam e vou marcando numa listinha. Será um prazer entregar todas essas pipocas quando tudo voltar ao normal. É com a ajuda deles que não estou passando necessidade”, diz Adilson, que até hoje não conseguiu receber o auxílio emergencial de 600 reais do Governo. “O pedido está em análise, mas acho que nunca vai sair”.

Assim como os trabalhadores autônomos, as pequenas e micro empresas também têm buscado soluções para que os negócios ― principalmente os não essenciais ― sobrevivam com a ajuda da clientela já fiel. Um levantamento do Sebrae divulgado em abril, que ouviu 6.080 empreendedores de todo o país, mostrou que além da dificuldade de acesso a crédito, os pequenos negócios também enfrentam queda no faturamento. Quase 88% dos empresários ouvidos viram seu faturamento cair, sendo em média uma perda de 75%. O estudo mostrou também que mais de 62% dos negócios interromperam temporariamente as atividades ou fecharam as portas definitivamente. Entre os 38% que continuam abertos, a maioria mudou o seu funcionamento, passando a fazer apenas entregas, atuando exclusivamente no ambiente virtual ou adotando horário reduzido.

Para contornar esse momento de quedas tão drásticas do faturamento, empreendedores de setores de alimentação e beleza apostam em voucher e vales com desconto para usufruir quando o período de confinamento acabar e até em vaquinhas online. A L’Oréal Produtos Profissionais, em parceria com a Trinks e a Stone, lançou, por exemplo, o site “Beleza Amiga #juntospelosalão”, que oferece a compra antecipada de vouchers para usar nos salões cadastrados quando o período de distanciamento social terminar.

No setor de alimentação várias plataformas colaborativas tentam também manter os estabelecimentos com fluxo de caixa. O site Apoie um Restaurante, por exemplo, reúne mais de 3.500 estabelecimentos em todo o país e garante desconto de 50% para consumo após o isolamento. Criado pela Stella Artois, o projeto permite que clientes adquiram vouchers de 100 reais pagando somente 50 reais, já que a marca de cerveja irá pagar a diferença para os estabelecimentos. Na mesma linha funciona o Ajude um Boteco, em que a Bohemia irá dar descontos de até 50% na compra de voucher aos mais de 10 mil bares cadastrados.

O Bar do Biu, na Zona Oeste de São Paulo, inaugurado há mais de 40 anos, é um dos estabelecimentos que tenta driblar os efeitos da crise gerada pela pandemia, mas enfrenta dificuldades. A princípio, o bar resolveu abrir um sistema de delivery, que antes não existia, mas não teve muita saída. “A demanda era pouca e eu estava fazendo 12 funcionários se arriscarem no transporte público. A cozinheira, Dona Edi, que é a minha mãe, também estava preocupada porque tem mais de 60 anos e está no grupo de risco dos infectados pelo coronavírus. Assim que resolvi fechar”, conta Rogério Gomes da Silva, proprietário do bar juntamente com os pais. O estabelecimento está cadastrado no Ajude um Boteco e já vendeu 41 vouchers, somando uma arrecadação de 4.050 reais. “É um dinheiro que vai ajudar a pagar os custos fixos, como o aluguel, até que a gente consiga reabrir outra vez. Estou tendo prejuízo com produtos que comprei, mas estou vendendo por Whatsapp, a preço de custo as bebidas. Ofereci para amigos, estou no boca a boca”, explica. O contrato dos 12 funcionários foi suspenso pelo proprietário através do programa do Governo BEM (Benefício Emergencial) que irá pagar o seguro-desemprego para trabalhadores de micro e pequenas empresas.

A chef de cozinha Izadora Ribeiro, do Isla Café, tem apostado numa vaquinha coletiva para manter o restaurante. Ela lançou o projeto Cozinha de Combate, que ajuda comunidades carentes e, ao mesmo tempo, mantém o estabelecimento funcionando, ainda que sem lucro. O objetivo é produzir mais de 12 mil refeições e distribuí-las, por exemplo, a pessoas em situação de rua no centro de São Paulo e também para os vulneráveis na região da Brasilândia. No mês de abril, mais de 3.500 pessoas foram alimentadas com as doações que variam de 20 a 600 reais e o estabelecimento conseguiu pagar os funcionários e os custos fixos. No mês de maio, outros 3 restaurantes se uniram ao projeto.

A crise enfrentada pelos bares e restaurantes também reflete nas empresas fornecedoras de alimentos frescos. A Mar Direto, por exemplo, que vende peixe e frutos do mar para estabelecimentos famosos em São Paulo teve que se reinventar quando a demanda dos restaurantes despencou. “Sobraram só 10% dos restaurantes”, diz Domingos Fiorino Llorca, um dos sócios da empresa que possui 15 funcionários. A solução foi vender quantidades menores a domicílio. “Tinha amigos, chefs de cozinha que ligavam dizendo que queriam ajudar, que podiam comprar o peixe com a gente ao invés de ir ao supermercado. Então está sendo tudo no boca a boca, via Whatsapp e depois fizemos uma conta no Instagram”, conta. A ideia de abrir as vendas para clientes nas casa já era antiga. Domingos explica, no entanto, que atualmente a operação não se paga, mas espera aumentar as vendas. “Somos um ratinho de patinha pequena tentando subir um degrau. Antes vendíamos 15kg para um restaurante em um dia. A dinâmica mudou”, completa.

Já a empresária Luísa Souza Santiago, de 31 anos, teve de se reinventar para sobreviver em tempos de coronavírus. Ela e uma sócia são donas de uma empresa de aluguel de vestidos de festa e possuem uma loja em Belo Horizonte e outra em São Paulo. “Criamos um bazar de vestidos semi-novos que alugávamos e resolvemos desapegar para ter algum faturamento. Como os preços são convidativos, isso acaba atraindo mais as pessoas”, explica Luísa. Parte do lucro será também destinado a instituições de caridade. A empresa passou a fazer um atendimento personalizado via chamada de vídeo para tirar dúvidas.

Com queda de mais de 70% do faturamento, a empresária também resolver tirar do papel a ideia de criar uma marca com um produto mais acessível e fácil de vender. Começou a vender online uma saia que pode ser usada no dia dia. “É uma peça mais barata e foi outra forma de aumentar o caixa e conseguir manter as funcionárias do atendimento e costura. A nossa ideia é não desistir, atravessar esse momento, manter as colaboradoras engajados e otimistas, estamos fazendo todo os esforços para manter os empregos”. Luísa sabe que a pandemia tirou da agenda as festas, que movimentam o seu negócio. “Não teremos aglomeração tão cedo”, reconhece Luísa. A criatividade é a única chance de sobreviver por enquanto.

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